sexta-feira, 15 de março de 2013

A crise, os velhos, as crianças e revolução

Tenho dito muitas vezes que estamos na iminência de viver uma revolução. Dêmos uns passos atrás para nos observarmos de longe: falamos muitas vezes de revolução agrícola, de revolução industrial e também falamos da revolução francesa, americana, russa e da dos cravos. Há revoluções que partem de movimentos populares, outras partem do exército, outras entram em movimento pela força das circunstâncias, pelo contexto político, económico, social, cultural, técnico e científico. Só são efetivas e verdadeiras quando se alastram aos indivíduos. Quando eles aderem à mudança. Se a resistência estiver latente ou oprimida então chamamos-lhe antes ditadura.
A revolução que acredito podermos estar a viver é uma revolução como a revolução industrial, demográfica ou científica. Acontece por força das circunstâncias. O fim de um ciclo do sistema capitalista está a gerar profundas alterações em vários países do mundo. Na Europa ela sente-se agora nos países do sul. Mas crises semelhantes têm ocorrido em países da América latina. Portanto, não tenhamos ilusões. Este não é um problema português. É um fenómeno global. Criamos uma sociedade baseada no supremo valor da produtividade, lucro, investimento, especulação, consumo. Um animal que corre atrás do próprio rabo num círculo vicioso que agora se transformou em espiral.
Dêmos uns passos atrás para nos observarmos de longe. Será a nossa forma de viver a melhor? Consumimos e desperdiçamos à custa de quê e de quem? Somos felizes assim? Mal os nossos filhos nascem começamos logo a consumir: somos capazes de fazer horas extra para comprar o melhor dos enxovais, em vez de começarmos a abrandar e nos dedicarmos ao namoro da ideia de ter um filho. Parte do tempo que gastamos a trabalhar para comprar coisas para os nosso filhos devíamos gastá-lo a brincar e a passear com eles. Usufruir da felicidade que é ver uma criança a crescer, cada pequeno passo, cada palavra, cada pergunta, cada gesto novo... Esta deveria ser a nossa prioridade. Com os nosso velhos fazemos a mesma coisa. Colocamo-los num lar ou deixamo-los a viver sozinhos. Porquê? Não é culpa nossa. As horas de trabalho necessárias ao pagamento de uma prestação de uma casa e de um carro obrigam-nos a ficar reféns de um trabalho a tempo inteiro que não nos deixa tempo livre. Nas famílias, cada vez mais pequenas e isoladas, não sobra ninguém com mais tempo que possa assumir os cuidados das crianças e dos idosos.
Agora, recentemente, com o aumento do desemprego, temos ouvido notícias de que há pais a retirar as crianças dos infantários, que há filhos a voltar para casa dos pais, que há pais idosos a serem retirados dos lares para irem para casa dos filhos. Fala-se quase sempre disto como de algo negativo, como se os pais não dessem mais atenção aos filhos do que aquela que eles têm nos infantários, como se os filhos (e os netos!) não pudessem dar aos idosos uma felicidade muito maior do que estar num lar. Todo esta transformação é dolorosa porque é sempre dolorosa a adaptação. Mas não significará um progresso maior do que aquele a que revolução industrial obrigou quando empurrou para a cidade milhões de famílias isoladas do que lhes era familiar, desprotegidas, a trabalhar 14 horas e a viver em condições de absoluta falta de higiene?
Não é uma solução bem inteligente as pessoas juntarem-se mais e inter-ajudarem-se? Que preço estamos nós a pagar pela falsa abundância baseada não na nossa riqueza real mas no dinheiro emprestado a juros? Não valerá mais a pena viver com menos e viver perto de quem amamos?
Este é apenas um dos pequenos detalhes desta transformação que se está a operar, destas pequenas adaptações saem os sobreviventes, os que resistem, os que recriam. O tempo livre do desemprego pode dar-nos tempo para criar soluções e novas formas de estarmos na nossa vida. O estado deixou de nos proteger e perdeu a sua função. Quem reina agora é um monstro chamado anarco-liberalismo. Não foi eleito, impôs-nos paulatinamente uma ditadura. Como abatê-lo? Eu acredito que somos nós, os liliputianos, que vamos fazer a revolução necessária. Adaptando-nos e contornado as dificuldades, podemos cortar as pernas ao gigante que vive do consumo que inevitavelmente teremos que deixar de lhe dar. Cortar as pernas a esta gigante que nos condena a uma vida de trabalho sem amor, nem arte, nem pensamento para no fim nos dar uma mísera reforma com a qual passearemos em excursões tristes a recordar tudo o que não vivemos durante toda a nossa vida. Todas as adaptações no sentido da união, solidariedade, redução do consumo, criação de auto emprego, trabalho artesanal, práticas agrícolas, exploração turística e cultural estão ao alcance de todos. Porque, como diria a Nina Simone, temos as nossas mãos e estamos vivos... Isto está a acontecer por todo o lado! E isto faz parte da revolução! Não precisamos apenas de demitir o Miguel Relvas nem sequer apenas o governo. Precisamos de uma alteração profunda, de uma mudança de paradigma económico, social e político. Uma parte desta mudança está em marcha, é inevitável, é uma adaptação inevitável. Outra parte terá que partir de uma renovação política. Que o novo governo se concentre em assegurar o que é essencial para as pessoas: não é o regresso aos mercados, não é a bolsa de valores, não é dar emprego a qualquer custo construindo auto-estradas e escolas gigantescas para alimentar os lobies do betão... A política do PS baseou-se na solução adotada para superar a crise dos anos 30. mas nós agora estamos em 2013 e o fomento do emprego fazia mais falta na educação, na saúde, no requalificação urbana sustentável (sem atropelar o património como anda a ser feito no Porto, visite-se o inqualificavelmente horroroso largo no quarteirão das Cardosas).
Precisamos de renovar a classe política colocando à frente do país toda a gente que ficou para trás por ser demasiado honesta. Precisamos de uma política de esquerda. A maior revolução está na mentalidade, ser capaz de superar o medo da esquerda. A esquerda terá de se unir e o povo terá de ser capaz de votar nela. Duas coisas bem difícieis. E isto será apenas o início de uma mudança que devemos querer se quisermos definir como prioridade das nossas vidas menos “coisas” e uma vida melhor. Com aquilo que é essencial para uma vida melhor. Têm-me dito que sou lírica, que o ser humano não muda assim de repente de mentalidade, que as pessoas estão demasiado apaixonadas e viciadas no consumo! Pois eu digo que bastou um dia numa viagem de comboio para Auschwitz para milhares de seres humanos alterarem as suas prioridades. De repente pessoas como nós definiram como prioridade a necessidade mais básica do ser humano: sobreviver. Não me digam que a mentalidade e a prioridades não se redefinem quando vemos os nossos filhos a passar fome, não me digam que não muda nada quando vemos os nosso filhos emigrar, não me digam que não muda nada quando depois de uma vida de trabalho ficamos sem casa porque de repente ficamos no desemprego! É inevitável mudar. E só não mudam aqueles a quem ainda não aconteceu nada e que são incapazes de se solidarizar com os outros. Tenhamos consciência do momento histórico que vivemos! Entremos ativamente nesta revolução. Vamos para a rua mas vamos também começar a discutir alternativas para as nossas vidas e para a nossa sociedade.

http://www.youtube.com/watch?v=mZVQmJVXDkk

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