domingo, 30 de outubro de 2011

Uma pedrinha na engrenagem

Fui conhecer hoje o “Espaço Musas”, pouco cheguei a conhecer pois o chichi de uma criança de dois anos e meio interrompeu-nos a visita. Numa falta de logística imperdoável numa mãe, a roupa sobresselente ficou em casa esquecida. Talvez esteja a pagar por sempre ter torcido a sobrancelha ao ver as mega mochilas das mães de hoje. Não exageremos, quando uma criança anda a aprender a pedir para fazer chichi convém mesmo sair com uma roupa a mais!

Quando se questiona podemos ter um preço a pagar. Outras vezes temos muito a ganhar. Será mesmo preciso uma mala de 10 Kg para sair com uma criança à rua? Será mesmo preciso comprar um carro novo de 3 em 3 anos porque ele desvaloriza? Serão mesmo úteis os estores automáticos? Será que numa casa velha o melhor é nem mexer? Será que para começar um pequeno negócio tenho de pedir um empréstimo ao banco? Será que eu não poderia realizar o meu velho sonho de morar numa casa com quintal porque as casa velhas é melhor nem lhes mexer e as novas têm preços intangíveis? Será que me tenho de resignar a viver para sempre num apartamento com vizinhos em cima, debaixo, de todos os lados, a ensurdecer de nervos por não acreditar que é possível fazer alguma coisa com as minhas próprias mãos, que não é possível que haja solidariedade e por isso não podemos criar projectos colectivos mas podemos viver colectivamente com gente anónima e à qual não nos ligamos?

E agora a crise. Esta crise na qual o meu único sentimento é uma enorme sensação de ignorância, de que não percebo absolutamente nada desta máquina, destas enormes rodas dentadas que observo do chão e sobre as quais ouço tanta gente falar. Espreito às vezes para dentro dela e ouço falar de peças que ela tem, cujo nomes são enigmáticos e cujo funcionamento me parece incompreensível: o PSI 21 baixa, baixa e isso parece vir a ligar-se ao nosso subsídio de natal, os bancos são os únicos que dão lucro nesta miséria toda mas precisam agora de uma injecção de capital... alegadamente retiram-nos o nosso subsídio de natal para que mais tarde não seja necessário retirar-nos o subsídio de natal. Espreito o mecanismo onde aperto porcas, espreito o mecanismo com a minha garrafinha de óleo na mão. Às vezes digo disparates, pergunto “Onde é preciso pôr o óleo? Onde é preciso pôr o óleo?”. Às vezes lembro-me de querer ajudar. E alguém me pergunta: “Tás doida, não vens que esta máquina funciona mal?Aqui e ali e ali...” Espreito e não vejo nada. Espreito e somo as minhas observações de ignorância. Não leio jornais e os telejornais papagueiam discursos de frases soltas, repetidas, informações sobre peças para quem não percebe nada de mecânica. Eu não leio jornais e aliás não leio nada sobre política desde que ali “A Conquista do Pão” ou estudei o funcionamento dos sistema democrático ateniense há uns anos para um exame, coisas que para o caso não parecem contribuir nada. Eu não leio nada, eu não percebo nada de nada. Pois não percebo porque razão um pais precisa de se financiar para crescer e ao mesmo tempo se diz que foram os empréstimos que o arruinaram. Também não percebo porque é que um país tem de crescer. E questiono se vale a pena tentar perceber, questiono se vale a pena ler jornais para repetir frases mastigadas por outros, enquanto se bebem finos numa mesa de café a entrar pela noite dentro. Questiono e sempre questionei a informação estéril. A informação não serve de nada se não desencadeia uma acção. Se é para isso deixem-me ficar na ignorância que sou mais feliz. Viro as costas a isto e não quero saber se a ração que o meu cão come é responsável pela fome num qualquer país africano, se o chocolate que saboreio custa o mesmo que um ordenado a quem o produz, se o tabaco com o qual eu acompanho a discussão político-filosófica da mesa de café é produzido em monocultura provocando a desertificação num país onde a terra não produz nada para quem lá vive comer. Sem querer saber se a justiça de eu ter uma casa para viver e uma carro para me transportar para o meu trabalho se constrói sobre a injustiça criada pela abundância de um continente que vive às custas de uma neo-colonização mundial.

E é por isso que quero acreditar em espaços como o espaço Musas. Penso que em toda a minha ignorância tenho uma pequena certeza. E se em vez de piscarmos os olhos perante o PSI 21 fossemos plantar batatas? Produzo alguma coisa para eu comer. Crio. Transformo. Substituo a impotência de ficar parada com uma garrafinha de óleo na mão pelo gesto de atirar uma pedrinha para a engrenagem. Viro costas e com as minhas mãos transformo a realidade aos meus pés. Coloco uma semente na terra, rego e vejo uma planta nascer. Colho um fruto cuja história conheço. Sei que é tão ingénuo como parece. Um fruto que não contribuiu para o problema palestiniano, nem para a destruição do Amazonas, nem para a desertificação do continente africano. Um fruto adubado com os resíduos criados por outros frutos primos deste. Um fruto cujo adubo que o fez crescer não é responsável pela contaminação das águas que vieram a matar dois bebés no Paquistão. Um fruto que eu olho e finalmente entendo e posso dizer “ É meu! Fui eu que o criei e não roubei nada a ninguém!”

Perante a imensidão da globalização e o sentimento de pequenez que olhá-la nos provoca, nasce um novo sentimento de que a transformação se fará pelas nossas micro-acções. E parece incrível que o macro se possa vencer pelo micro mas só não acredita nisso quem nunca padeceu bem com uma gripe. Ou já alguém olhou um vírus olhos nos olhos?