sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Sara, tu foste feita para este país mas este país não foi feito para ti

Sara, tu foste feita para este país mas este país não foi feito para ti.
Trazes as rochas da tua terra contigo desde criança e desde criança te debruças, observas, interrogas. Será mesmo verdade que existe uma grade ouro no fundo do poço do castelo? Será mesmo verdade que dentro do branco quartzo existe ouro? Dentro do quartzo que, pequenina, tentavas carregar para casa, para saber, para descobrir... E que o teu pai - grande pai - já não se lembra mas te ajudou a transportar com o amor à tua curiosidade que crescia contigo.
PAIXÃO, Sara, é a palavra que usas e é a palavra que te define. Agora és crescida e dobras uma folha de papel para nos explicar como Valongo se elevou acima do nível do mar. Já não acreditas em grades de ouro mas guardas o encanto do conhecimento. Agora olhas para as pedras que recolheste e etiquetaste e sabes explicar a idade delas, a sua formação e composição.
E a força de mulher é a mesma que outrora usaste, em menina, para quebrar o quartzo à procura do ouro.
PAIXÃO é a palavra que usas e paixão é a palavra que te define. Corres por montes e vales da tua terra e continuas a parar para observar e recolher, como outrora. Chegas a casa e etiquetas. Levas crianças contigo à procura de fósseis e acontece de elas encontrarem trilobites completas que tu adoravas ter mas que entendes pertencerem à menina que a encontrou. A ti não te pagam para levares crianças às montanhas, para as ensinar a olhar o mundo de longe e de perto. A amar, conhecer e questionar.
PAIXÃO é a palvra que usas e paixão é a palavra que te define. Os meninos da tua terra deixam pedras que os teus pais encontram junto ao portão. O teu trabalho nada tem a ver com a tua paixão. Os teus pais sabem o significado dessas pedras à porta de casa. Pedras vulgares, pedras sem interesse mas nas quais está escrita a palavra "porquê", que tu lhes ensinaste.
Sara, ouço o lamento dos teus pais e de todos os pais deste país que sofrem mais do que os filhos porque toda a vida trabalharam para que os filhos pudessem estudar aquilo que os fascinava. Os teus pais foram enganados, Sara, porque este país deitou fora os lugares que existiam para pessoas como tu. E substituiu-os por cadeirões de reis imbecis, incapazes de algum dia se debruçarem sobre uma pedra ou uma criança. O que vamos fazer a este país onde a nossa paixão não tem lugar. Pergunto-me quantas Saras existem no país mais triste? Pessoas ávidas de conhecimento, cheias de curiosidade e amor, capazes de tirar o dia de folga para saltitar por entre arbustos molhados para nos mostrar as casas redondas que desde pequena conhece e explora, que voluntariamente foi limpando amiúde para que as ervas não a encobrissem.... Quem não percebe que são estas as pessoas que deviam estar sentados nos cadeirões deste país... A deixar que a terra dos sonhos fosse conduzida pelo conhecimento, pelo amor, pelo esforço e pelo trabalho, pela persistência e pela tenacidade...? Sara, em nome do nosso país, peço-te desculpa, envergonhada, por ele não te ver, não te reconhecer, não te recolher, não te amar, não te aproveitar. E gostaria que nunca abandonasses essa paixão que te move pois tenho a certeza que a tua, a minha e a de todas as Saras deste país, um dia triunfarão. Emergirão como Valongo neste mar de mediocridade. E os fosseis sobre as quais se abaterão, esses não serão dignos de estudo.

Foi um enorme prazer conhecer-te!