Tenho dito muitas vezes que
estamos na iminência de viver uma revolução. Dêmos uns passos
atrás para nos observarmos de longe: falamos muitas vezes de
revolução agrícola, de revolução industrial e também falamos da
revolução francesa, americana, russa e da dos cravos. Há
revoluções que partem de movimentos populares, outras partem do
exército, outras entram em movimento pela força das circunstâncias,
pelo contexto político, económico, social, cultural, técnico e
científico. Só são efetivas e verdadeiras quando se alastram aos
indivíduos. Quando eles aderem à mudança. Se a resistência
estiver latente ou oprimida então chamamos-lhe antes ditadura.
A revolução que acredito
podermos estar a viver é uma revolução como a revolução
industrial, demográfica ou científica. Acontece por força das
circunstâncias. O fim de um ciclo do sistema capitalista está a
gerar profundas alterações em vários países do mundo. Na Europa
ela sente-se agora nos países do sul. Mas crises semelhantes têm
ocorrido em países da América latina. Portanto, não tenhamos
ilusões. Este não é um problema português. É um fenómeno
global. Criamos uma sociedade baseada no supremo valor da
produtividade, lucro, investimento, especulação, consumo. Um animal
que corre atrás do próprio rabo num círculo vicioso que agora se
transformou em espiral.
Dêmos uns passos atrás
para nos observarmos de longe. Será a nossa forma de viver a melhor?
Consumimos e desperdiçamos à custa de quê e de quem? Somos felizes
assim? Mal os nossos filhos nascem começamos logo a consumir: somos
capazes de fazer horas extra para comprar o melhor dos enxovais, em
vez de começarmos a abrandar e nos dedicarmos ao namoro da ideia de
ter um filho. Parte do tempo que gastamos a trabalhar para comprar
coisas para os nosso filhos devíamos gastá-lo a brincar e a passear
com eles. Usufruir da felicidade que é ver uma criança a crescer,
cada pequeno passo, cada palavra, cada pergunta, cada gesto novo...
Esta deveria ser a nossa prioridade. Com os nosso velhos fazemos a
mesma coisa. Colocamo-los num lar ou deixamo-los a viver sozinhos.
Porquê? Não é culpa nossa. As horas de trabalho necessárias ao
pagamento de uma prestação de uma casa e de um carro obrigam-nos a
ficar reféns de um trabalho a tempo inteiro que não nos deixa tempo
livre. Nas famílias, cada vez mais pequenas e isoladas, não sobra
ninguém com mais tempo que possa assumir os cuidados das crianças e
dos idosos.
Agora, recentemente, com o
aumento do desemprego, temos ouvido notícias de que há pais a
retirar as crianças dos infantários, que há filhos a voltar para
casa dos pais, que há pais idosos a serem retirados dos lares para
irem para casa dos filhos. Fala-se quase sempre disto como de algo
negativo, como se os pais não dessem mais atenção aos filhos do
que aquela que eles têm nos infantários, como se os filhos (e os
netos!) não pudessem dar aos idosos uma felicidade muito maior do
que estar num lar. Todo esta transformação é dolorosa porque é
sempre dolorosa a adaptação. Mas não significará um progresso
maior do que aquele a que revolução industrial obrigou quando
empurrou para a cidade milhões de famílias isoladas do que lhes era
familiar, desprotegidas, a trabalhar 14 horas e a viver em condições
de absoluta falta de higiene?
Não é uma solução bem
inteligente as pessoas juntarem-se mais e inter-ajudarem-se? Que
preço estamos nós a pagar pela falsa abundância baseada não na
nossa riqueza real mas no dinheiro emprestado a juros? Não valerá
mais a pena viver com menos e viver perto de quem amamos?
Este é apenas um dos
pequenos detalhes desta transformação que se está a operar, destas
pequenas adaptações saem os sobreviventes, os que resistem, os que
recriam. O tempo livre do desemprego pode dar-nos tempo para criar
soluções e novas formas de estarmos na nossa vida. O estado deixou
de nos proteger e perdeu a sua função. Quem reina agora é um
monstro chamado anarco-liberalismo. Não foi eleito, impôs-nos
paulatinamente uma ditadura. Como abatê-lo? Eu acredito que somos
nós, os liliputianos, que vamos fazer a revolução necessária.
Adaptando-nos e contornado as dificuldades, podemos cortar as pernas
ao gigante que vive do consumo que inevitavelmente teremos que deixar
de lhe dar. Cortar as pernas a esta gigante que nos condena a uma
vida de trabalho sem amor, nem arte, nem pensamento para no fim nos
dar uma mísera reforma com a qual passearemos em excursões tristes
a recordar tudo o que não vivemos durante toda a nossa vida. Todas
as adaptações no sentido da união, solidariedade, redução do
consumo, criação de auto emprego, trabalho artesanal, práticas
agrícolas, exploração turística e cultural estão ao alcance de
todos. Porque, como diria a Nina Simone, temos as nossas mãos e estamos vivos...
Isto está a acontecer por todo o lado! E isto faz parte da
revolução! Não precisamos apenas de demitir o Miguel Relvas nem
sequer apenas o governo. Precisamos de uma alteração profunda, de
uma mudança de paradigma económico, social e político. Uma parte
desta mudança está em marcha, é inevitável, é uma adaptação
inevitável. Outra parte terá que partir de uma renovação
política. Que o novo governo se concentre em assegurar o que é
essencial para as pessoas: não é o regresso aos mercados, não é a
bolsa de valores, não é dar emprego a qualquer custo construindo
auto-estradas e escolas gigantescas para alimentar os lobies do
betão... A política do PS baseou-se na solução adotada para
superar a crise dos anos 30. mas nós agora estamos em 2013 e o
fomento do emprego fazia mais falta na educação, na saúde, no
requalificação urbana sustentável (sem atropelar o património
como anda a ser feito no Porto, visite-se o inqualificavelmente
horroroso largo no quarteirão das Cardosas).
Precisamos de renovar a
classe política colocando à frente do país toda a gente que ficou
para trás por ser demasiado honesta. Precisamos de uma política de
esquerda. A maior revolução está na mentalidade, ser capaz de
superar o medo da esquerda. A esquerda terá de se unir e o povo terá
de ser capaz de votar nela. Duas coisas bem difícieis. E isto será
apenas o início de uma mudança que devemos querer se quisermos
definir como prioridade das nossas vidas menos “coisas” e uma
vida melhor. Com aquilo que é essencial para uma vida melhor. Têm-me
dito que sou lírica, que o ser humano não muda assim de repente de
mentalidade, que as pessoas estão demasiado apaixonadas e viciadas
no consumo! Pois eu digo que bastou um dia numa viagem de comboio
para Auschwitz para milhares de seres humanos alterarem as suas
prioridades. De repente pessoas como nós definiram como prioridade a
necessidade mais básica do ser humano: sobreviver. Não me digam que
a mentalidade e a prioridades não se redefinem quando vemos os
nossos filhos a passar fome, não me digam que não muda nada quando
vemos os nosso filhos emigrar, não me digam que não muda nada
quando depois de uma vida de trabalho ficamos sem casa porque de
repente ficamos no desemprego! É inevitável mudar. E só não mudam
aqueles a quem ainda não aconteceu nada e que são incapazes de se
solidarizar com os outros. Tenhamos consciência do momento histórico
que vivemos! Entremos ativamente nesta revolução. Vamos para a rua
mas vamos também começar a discutir alternativas para as nossas
vidas e para a nossa sociedade.http://www.youtube.com/watch?v=mZVQmJVXDkk