sábado, 26 de julho de 2008

Do baú – Viagem de comboio passando por Penafiel

A rivalidade que existe entre pessoas que gostam das mesmas coisas! Sentou-se aqui ao pé de mim, à saída de Penafiel, um rapaz com um sorriso de quem está pronto para meter conversa. Eu sorrio rápido e desvio o olhar. Pego no “Tempo dos Assassinos” de Henry Miller e imagino que primeiro vai olhar disfarçadamente para o livro e depois insistentemente. Até eu olhar para ele. Seria aí que ele diria: “Gosta de ler? O que é que está a ler? Eu também gosto muito de ler. Gosto muito de Almeida Garrett… E eu pensaria imediatamente: “Detesto Almeida Garrett! Quando é que chego ao meu destino?” E no entanto ambos gostamos de ler. Mas aquele espírito adolescente de clube persegue-nos até ao fim da vida. Eu continuo a achar-me pertencer ao clube dos “fixes”tal como quando pensei lá entrar aos quinze anos! Detesto clubismos e bairrismos. Amo tudo o que é intemporal e “inespacial”. Mas as minhas circunstanciazinhas reduzem-me tanto as perspectivas que olharei para ele com desprezo.
Para quando o verdadeiro amor à vida, ao mundo e à humanidade que nos tornará mais Grandes? Quando acabaremos com essas fronteiras que nos dividem por países, por clubes de futebol, por estilos, por níveis? A única fronteira que desejo é a dos indivíduos. Aquilo que me diferencia do outro. Para quando esse homem Grande igual a todos os homens e único no mundo?
Penafiel, o lugar da regueifa. Parece ser a mesma mulher da minha infância, o pregão tem a mesma sonoridade. Uma sonoridade de quem está a chegar a casa da avó, dos primos, às brincadeiras…

Outubro / Novembro de 1995

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