Fui conhecer hoje o “Espaço Musas”, pouco cheguei a conhecer pois o chichi de uma criança de dois anos e meio interrompeu-nos a visita. Numa falta de logística imperdoável numa mãe, a roupa sobresselente ficou em casa esquecida. Talvez esteja a pagar por sempre ter torcido a sobrancelha ao ver as mega mochilas das mães de hoje. Não exageremos, quando uma criança anda a aprender a pedir para fazer chichi convém mesmo sair com uma roupa a mais!
Quando se questiona podemos ter um preço a pagar. Outras vezes temos muito a ganhar. Será mesmo preciso uma mala de 10 Kg para sair com uma criança à rua? Será mesmo preciso comprar um carro novo de 3 em 3 anos porque ele desvaloriza? Serão mesmo úteis os estores automáticos? Será que numa casa velha o melhor é nem mexer? Será que para começar um pequeno negócio tenho de pedir um empréstimo ao banco? Será que eu não poderia realizar o meu velho sonho de morar numa casa com quintal porque as casa velhas é melhor nem lhes mexer e as novas têm preços intangíveis? Será que me tenho de resignar a viver para sempre num apartamento com vizinhos em cima, debaixo, de todos os lados, a ensurdecer de nervos por não acreditar que é possível fazer alguma coisa com as minhas próprias mãos, que não é possível que haja solidariedade e por isso não podemos criar projectos colectivos mas podemos viver colectivamente com gente anónima e à qual não nos ligamos?
E agora a crise. Esta crise na qual o meu único sentimento é uma enorme sensação de ignorância, de que não percebo absolutamente nada desta máquina, destas enormes rodas dentadas que observo do chão e sobre as quais ouço tanta gente falar. Espreito às vezes para dentro dela e ouço falar de peças que ela tem, cujo nomes são enigmáticos e cujo funcionamento me parece incompreensível: o PSI 21 baixa, baixa e isso parece vir a ligar-se ao nosso subsídio de natal, os bancos são os únicos que dão lucro nesta miséria toda mas precisam agora de uma injecção de capital... alegadamente retiram-nos o nosso subsídio de natal para que mais tarde não seja necessário retirar-nos o subsídio de natal. Espreito o mecanismo onde aperto porcas, espreito o mecanismo com a minha garrafinha de óleo na mão. Às vezes digo disparates, pergunto “Onde é preciso pôr o óleo? Onde é preciso pôr o óleo?”. Às vezes lembro-me de querer ajudar. E alguém me pergunta: “Tás doida, não vens que esta máquina funciona mal?Aqui e ali e ali...” Espreito e não vejo nada. Espreito e somo as minhas observações de ignorância. Não leio jornais e os telejornais papagueiam discursos de frases soltas, repetidas, informações sobre peças para quem não percebe nada de mecânica. Eu não leio jornais e aliás não leio nada sobre política desde que ali “A Conquista do Pão” ou estudei o funcionamento dos sistema democrático ateniense há uns anos para um exame, coisas que para o caso não parecem contribuir nada. Eu não leio nada, eu não percebo nada de nada. Pois não percebo porque razão um pais precisa de se financiar para crescer e ao mesmo tempo se diz que foram os empréstimos que o arruinaram. Também não percebo porque é que um país tem de crescer. E questiono se vale a pena tentar perceber, questiono se vale a pena ler jornais para repetir frases mastigadas por outros, enquanto se bebem finos numa mesa de café a entrar pela noite dentro. Questiono e sempre questionei a informação estéril. A informação não serve de nada se não desencadeia uma acção. Se é para isso deixem-me ficar na ignorância que sou mais feliz. Viro as costas a isto e não quero saber se a ração que o meu cão come é responsável pela fome num qualquer país africano, se o chocolate que saboreio custa o mesmo que um ordenado a quem o produz, se o tabaco com o qual eu acompanho a discussão político-filosófica da mesa de café é produzido em monocultura provocando a desertificação num país onde a terra não produz nada para quem lá vive comer. Sem querer saber se a justiça de eu ter uma casa para viver e uma carro para me transportar para o meu trabalho se constrói sobre a injustiça criada pela abundância de um continente que vive às custas de uma neo-colonização mundial.
E é por isso que quero acreditar em espaços como o espaço Musas. Penso que em toda a minha ignorância tenho uma pequena certeza. E se em vez de piscarmos os olhos perante o PSI 21 fossemos plantar batatas? Produzo alguma coisa para eu comer. Crio. Transformo. Substituo a impotência de ficar parada com uma garrafinha de óleo na mão pelo gesto de atirar uma pedrinha para a engrenagem. Viro costas e com as minhas mãos transformo a realidade aos meus pés. Coloco uma semente na terra, rego e vejo uma planta nascer. Colho um fruto cuja história conheço. Sei que é tão ingénuo como parece. Um fruto que não contribuiu para o problema palestiniano, nem para a destruição do Amazonas, nem para a desertificação do continente africano. Um fruto adubado com os resíduos criados por outros frutos primos deste. Um fruto cujo adubo que o fez crescer não é responsável pela contaminação das águas que vieram a matar dois bebés no Paquistão. Um fruto que eu olho e finalmente entendo e posso dizer “ É meu! Fui eu que o criei e não roubei nada a ninguém!”
Perante a imensidão da globalização e o sentimento de pequenez que olhá-la nos provoca, nasce um novo sentimento de que a transformação se fará pelas nossas micro-acções. E parece incrível que o macro se possa vencer pelo micro mas só não acredita nisso quem nunca padeceu bem com uma gripe. Ou já alguém olhou um vírus olhos nos olhos?
domingo, 30 de outubro de 2011
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