sexta-feira, 21 de agosto de 2015

Ode a uma padeira com alma de princesa

Adoro os teus primeiros toques desajeitados e alegres nas raquetes...
as tuas gargalhadas ao entrar no mar com o teu pai, que falam sobre o mais puro prazer de entrar na água.
Adoro a tua capacidade de te empenharas na resolução dos problemas dos adultos, sobre como construir um galinheiro ou vedar a horta
Adoro os teus ensaios de arqueóloga quando procuras, numa parede antiga, uma janela entaipada
Adoro o que pensas sobre eutanasiar esse insecto moribundo que tu classificas de "em sofrimento". Adoro quereres ser tu a virá-lo para cima, a esse pobre infeliz destinado a morrer de patas para o ar. Adoro que, ao vê-lo sofrer, digas que talvez o melhor seja calcá-lo para acabar com o seu sofrimento e servir de alimento para os filhos das formigas.
Adoro que respondas, de forma prática, quando te coloco a questão:
- E se ele viesse a conseguir sobreviver?
- Olha, temos pena.
Mas adoro igualmente que não tenhas coragem para o matar, como se tivesses já consciência do valor supremo da vida
Adoro os teus pequenos dedos a percorrer as linhas do meu rosto, como se me tivesses a desenhar. E gostaria que, se me pudesses redesenhar, me retirasses o ar triste e zangado que marca o meu rosto de adulta 
Adoro quando, com um livro pousado nas pernas, levantas a cabeça e dizes com um ar sonhador "Quem me dera saber ler!..."
Adoro a tua ideia de fazer pulseiras para ajudar a ganhar dinheiro para a família
Adoro todas as tuas perguntas: sobre as tampas de saneamento, sobre as bóias do rio, sobre como apareceu o primeiro homem e a primeira cadeira, sobre as estrelas, o infinito e o fim do tempo...
Adoro a tua alegria e as tuas gargalhadas
Adoro para ti ser divertimento suficiente seguir as minhas pegadas na areia
E adoro a tua língua de fora quando enches um balde de areia, como se não houvesse mais mundo para além desse momento
E adoro quando pegas numa borracha para apagar uma linha "mal feita"
Adoro quando dizes "adoro" e a quantidade de vezes que dizes "adoro"
Adoro quando vês em tudo um bebe para embalar, até um montinho de algas que recolhes nos teus braços junto ao mar
E adoro quando admiras o facto de uma pedrinha ser tão pequenina ou de uma concha ser tão grande
Adoro como para ti tudo é tão fácil, simples e prático
Adoro a tua complacência, a tua paz de espírito, a tua imunidade à mesquinhez, o teu gosto em rir e fazer rir
Os segredos do mundo inteiro estão guardados na tua paz. És tu quem tem todas as respostas que eu procuro. Basta que eu te ouça e te observe.
Se eu acreditasse em Deus pedia-lhe que te conservasse sempre essa força enorme, essa capacidade de seres feliz na adversidade
Mas, como não acredito, resta-me encarregar-me de assegurar a paz necessária para que cresças assim como és: curiosa, observadora, feliz, pensadora q.b., sabendo separar o trigo do joio, sabendo questionar, avaliar e escolher como tu tão bem sabes agora. E sabendo "afastar-te do mal" como tu bem sabes agora.
A tua pequena consciência brota do teu cérebro com seis anos como não brota de grande parte dos humanos adultos deste planeta
És muito grande. Tudo no teu corpo é ainda tão pequeno ainda mas a tua alma é já enorme.
Sabes ao certo o tempo que se deve despender na resolução de problemas impossíveis
Distingues os meninos bem comportados dos mal comportados mas brincas também com estes. Com um sorriso, encolhendo os ombros dizes que o J. é muito tolo...
Toda a gente parece gostar de ti mas parece ser-te indiferente se alguém não gosta. Se alguma atitude nos teus colegas não te agrada, viras costas no momento e já me aconselhaste a fazer o mesmo
Por mim, nomeava-te desde já "Alta Conselheira para a Construção da Paz no Mundo"
Porque te sinto capaz de resolver todos os conflitos mundiais.
Será este o nosso destino? Nascer sábios e aprendermos (ou não) a ser estúpidos?
Adoro a forma como pegas em todos os bichos sem nojo: nas galinhas, nos licranços e nos escaravelhos... Essa familiaridade com as outras formas de vida espanta-me, maravilha-me e apaixona-me.
Se eu pudesse renascer queria ser como tu. Feita "à tua imagem e semelhança"
E pergunto-me, perante tudo isto, se serás capaz de perdoar todos os defeitos da tua mãe. E de não te deixar contagiar pela minha zanga universal...

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Centro Histórico do Porto – Preservar para quê?



Há dias perguntava a uns turistas franceses o que tinham achado do Porto. De entre todos os elogios e considerações ficou-me esta observação: “Impressiona porque se vê que a guerra não passou por aqui”. Eram pessoas oriundas de um lugar que havia sido completamente arrasado durante a 2ª Guerra Mundial. Arrasado e reconstruido. E as pessoas lamentavam as perdas a todos os níveis mas, neste caso, patrimoniais e históricas.

É certo que as cidades se transformam ao longo da história mas também é certo que a classificação do Porto como Património Cultural da Humanidade pela Unesco, em 1996, se deve ao grau de preservação da sua identidade arquitetónica e urbanística e à sua autenticidade... E, convenhamos, a classificação do património faz-se com o intuito de preservar.

No momento da sua classificação o Porto era uma cidade preservada. Preservada mas decadente. Uma cidade de casas abandonadas, uma cidade com um enorme potencial, que urgia proteger e requalificar, mau-grado todas as reabilitações levadas a cabo desde os anos 70.

Ainda hoje isto é verdade mas estamos em tempos de mudança e a mudança neste momento faz-se a grande velocidade. À semelhança do que parece ter acontecido no século XIX, em que grande parte dos edifícios foram renovados, hoje o Porto está em obras.

O Porto está em obras por várias razões. A sua classificação impulsionou o investimento na reabilitação; a legislação sobre arrendamento alterou-se fazendo com seja, novamente, rentável reabilitar; as pessoas querem voltar a viver na cidade. Sobretudo, a cidade encheu-se de milhares de turistas, vindos de todos os cantos do mundo para conhecer esta cidade tão bonita, tão singular, tão preservada, tão cheia de História e de histórias, tão autêntica, tão cheia de pormenores nas suas fachadas, tão cheias de becos, ruelas e escadas disfuncionais mas belas...

E nós, portugueses e portueneses, que não somos “morcões”, queremos aproveitar esta oportunidade e beneficiar das receitas que estes milhares de turistas trazem à cidade e ao país... E para o fazer abrimos restaurantes, museus, lojas de artesanato, serviços de aluguer de bicicletas, autocarros turísticos, agências de viagens, hotéis e alojamentos e tudo o que nos lembre, a nós, gente empreendedora que, abandonada pela crise, se desunha para ganhar o pão.

Está tudo certo. Mas não está. Porque nesta febre de reabilitação corremos o risco de desvirtuar o carácter da cidade e destruir aquilo que nos fez merecer a classificação e que nos traz os milhares de estrangeiros todos os dias.

Paulatinamente, edifício a edifício, substituímos portas maciças e nas portas as ferragens e os batentes, substituímos caixilharias de janelas, cheias de detalhe de marceneiros de outros tempos por caixilharias mais pobres, por vezes simplificadas, por vezes fracas imitações, por vezes vidros lisos... E, por vezes, não. Por vezes, há pessoas que percebem a importância de manter o original. E optam por soluções menos invasivas, pela preservação de soluções estéticas, por conservar e restaurar os materiais originais ou substituir por réplicas fiéis. Mas, por vezes poucas...

Por vezes substituem-se os azulejos antigos por azulejos novos, quando era possível restaurar e manter os antigos, quando as entidades de tutela “mandam” que se mantenha a fachada. Quase sempre destroem-se os interiores: as escadas helicoidais em madeira iluminadas pelas características clarabóias, os soalhos, os tetos em estuque, os rodapés altos, as ombreiras das portas, as portas interiores encimadas por bandeiras, as janelas interiores que da pouca luz fazem muita. Soluções iluminadas de quem só tinha duas estreitas fachadas e uma clarabóia e com isso conseguia uma casa cheia de luz. Soluções de arquitetos de outros tempos, arquitetos com outro tempo. Um tempo em que tudo se fazia mais devagar, um tempo em que se construia para viver. Um tempo diferente do nosso, em que se destrói para sobreviver...

Ou talvez não. Talvez se destrua por ganancia, por ignorância, por desconhecer que restaurar pode, para além de tudo, ser mais barato do que reconstruir (é urgente desfazer o mito). Por desconhecer ou não querer saber que esse turista que procura o autêntico, o detalhe, a história e as história, um dia poderá não voltar mais. Poderá não voltar por desilusão, por já não ver na cidade o património classificado. Ou porque os habituais destinos turísticos – hoje postos de lado pelas guerras e pela ameaça terrorista – voltaram a estar em paz. Ou porque o petróleo se esgotou e se acabaram as viagens “low cost”.

Em todos os casos o que estamos a fazer é um erro crasso. É um erro na perspetiva da rentabilização económica por via do turismo. É um erro porque nos arriscamos a perder a classificação. É um erro porque reabilitamos para turismo, optando por soluções que condicionam o uso dos espaços para esse fim, invalidando uma fácil reconversão para fins habitacionais (vislumbro, nos seus futuros corredores desertos, um triciclo de criança fazendo um circuito solitário e aterrorizante, qual Shining...). É um erro porque sim, porque recebemos uma cidade do passado que temos obrigação de transportar para o futuro em melhores condições. Não é nosso o património. Por isso é considerado património, por isso é da humanidade, por isso é mundial. E nós não somos a humanidade, pois a nossa passagem é breve. Nós não temos uma perspetiva “mundial” quando apenas cuidados de interesses individuais e a curto prazo. O património deixará de o ser se o descaracterizarmos. Por isso, acima de tudo, não temos legitimidade para o destruir. É uma questão de princípio.

Preservar o Centro Histórico do Porto para quê? Para preservar a história, a autenticidade e a beleza da nossa cidade. Para reabilitarmos uma cidade que se quer habitada e que se quer visitada. Porque as pessoas que aqui vivem têm direito a não emigrar, a criar o seu emprego, a beneficiar da conjuntura turística favorável. Preservar esta cidade é desenvolvê-la de forma sustentada, para que no futuro, independentemente das conjunturas, ela possa ser uma cidade com vida, mas vida que preserve a alma.

Ela pode e deve continuar a ser um grande destino turístico, o turismo é bem vindo numa cidade que carece de sustento, o sustento outrora dado pela indústria e pelo comércio.

Ela pode e deve ser um lugar habitado, habitado pelas velhas gentes do Porto e pelas novas. Dessa mistura nascerá, sem dúvida, uma cidade mais rica e diversa.

O que ela não precisa é de elefantes brancos, hotéis gigantescos cujas reabilitações destroem completamente os seus interiores e descaracterizam fachadas, ultrapassando qualquer norma ou diretriz das entidades que tutelam o património. São modelos de edifícios cujas dimensão e exigências funcionais não se compatibilizam com a preservação de antigos edifícios habitacionais. Façam-se, portanto, fora do Centro Histórico do Porto. Ou não se façam de todo! Ou, excecionalmente, façam-se dentro de edifícios cuja função se perdeu e que não tenham outra solução adequada, como antigos armazéns, edifícios industriais (e mesmo assim há que ver com calma, caso a caso. Ponderar...).

Enquanto as entidades de tutela se permitem permitir este desastre, alguns particulares honram a cidade e património, optando pelo restauro. Outros sucumbem ao lobby da construção civil e das soluções aparentemente fáceis.

Falta debater amplamente este tema e falta apoiar quem quer reabilitar, como outrora se fez em Guimarães, cidade com um trabalho exemplar, a este nível. Falta ter coragem de dizer “não” aos grandes grupos económicos que apenas visam o lucro imediato. Infelizmente não é a eles – com dinheiro farto mas estreiteza de vistas – que compete defender o património e a cidade. Defender o Porto compete às entidades que tutelam o património e a construção, que deviam ser mais normativas e restritivas e menos tolerantes com os atropelos constantes às suas próprias diretrizes.

E compete-nos a nós, cidadãos que amamos esta cidade e que a queremos habitada, limpa, reabilitada mas autêntica. Que queremos turismo mas de turistas que voltem e tornem a voltar.


terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

Julia's dream



Hoje tive um sonho muito xiro... Sonhei com o César, o Tiago e aquela menina (Isabel). O Tiago tinha-me posto uma coisa assim na cabeça com um coração aqui (na testa). Quando eu precisava, carregava no botão (coração) e todos os amigos vinham ajudar-me.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Questões sobre o infinito e boas razões para não tentar explicar o processo de hominização a uma criança de 5 anos


Mãe, quantas línguas há no mundo?
-Não sei filha, pr'aí cem, não sei...
- Cem? A sério?... Cem mais cem?
- Duzentos.
- Duzentos e vinte?
- Não. Cem mais cem são duzentos, mais 20 são duzentos e vinte.
- Até quando se pode contar?
- Até sempre. Podes começar agora a contar e só parar quando morreres. Nunca acaba. É infinito.
- O que mais é que é infinito?
- Ah... Muitas coisas. Neste caso são os números. Dorme filha, que já é tarde...
- O mundo é infinito?
- O Planeta terra não. Um dia vai morrer porque depende do sol. E o sol, como todas as estrelas vai morrer.
- Pois é, as estrelas morrem.
- Quando o sol morrer o planeta terra também morre. Mas isso é daqui a muito, muito tempo, muitos milhões de anos.
- A sério? A terra vai morrer?
- Sim. Mas é daqui a muito tempo. Nós já estaremos mortas há milhões de anos.
- Eu não queria morrer...
- Não te preocupes com isso, faltam muitos, muitos anos. O resto do mundo existe para sempre, com estrelas sempre a morrer e outras a nascer.
- Mãe, és tu a dizer hoje. Diz! (Oração da noite inventada pela Júlia e que ajuda a dormir melhor)
- Meu amor, minha querida, eu gosto muito de ti. Eu nunca te vou deixar sozinha. Dorme bem meu amor. (beijo na testa)

(…)
- No início não havia vida na terra. E já havia pessoas. Como?
- Não. Não havia pessoas.
- Oh! (bate na cabeça). Pois é.

(…)
(Na quinta de Sto. Inácio)
- Estás a ver filha, os macacos...? olha como são parecidos connosco. Olha as mãos, filha, olha as mãos...
- Vamos embora.
(mais adiante)
- Mãe, há algum sítio no mundo onde neste momento os macacos se estejam a transformar em pessoas?
- Não, não, não. Os macacos não se transformam em pessoas. Há muitos milhões de anos é que havia um seres parecidos com os macacos que depois se transformaram - mas ao longo de muitos milhares de anos - em pessoas e em macacos. Por isso nós e os macacos somos primos.

(…)
(Passado cerca de um mês)
- Mãe, tu ainda chegaste a ser uma espécie de macaco?
- Não, nunca. Já nasci pessoa. Isso foi há muitos milhares de anos. Nem eu, nem a avó Luzia sequer tínhamos nascido.
- E o pai?